Participei de um curso promovido, no Sindicato dos Jornalistas de SP, chamado “Gênero, Raça e Etnia para Jornalistas”, porque acredito que a gente sempre pode melhorar como pessoa e como profissional, né? Ontem, tivemos um exercício que foi muito bacana: ler matérias publicadas na Folha de São Paulo, G1 e IG, por exemplo, sobre os grupos abordados no curso, e como eles veiculam matérias destes grupos em suas notícias.
No caso do meu grupo, analisamos uma chamada da Folha Online para duas notas publicadas na coluna da Mônica Bergamo e que é de deixar qualquer um bem preocupado com o que consumimos, em termos de notícias, por ai. Seguem as matérias e uma breve análise dos causos!
06/07/2011 - 08h50
Diretora é condenada por chamar professora de "macaca" em SP
DE SÃO PAULO
A diretora de uma escola pública de São Paulo foi condenada a um ano de prisão por ter chamado uma professora negra de "macaca". A pena, no entanto, foi convertida no pagamento de um salário mínimo, segundo a coluna Mônica Bergamo, publicada na edição desta quarta-feira da Folha.
A coluna completa está disponível para assinantes da Folha e do UOL (empresa controlada pelo Grupo Folha, que edita a Folha).
De acordo com a coluna, Francisca Teixeira disse, ao receber Neusa Marcondes em sua sala: "Entra aqui, macaca, venha assinar esse documento".
A defesa da diretora alegou que ela se referia à "hiperatividade" da professora, que estaria pulando e fazendo brincadeiras com as colegas. A Justiça não aceitou o argumento.
O advogado da diretora, Alexandre Barduzzi Vieira, disse que vai recorrer. "Ela foi infeliz de usar essa palavra, que por si só não pode ter carga suficiente para caracterizar um crime", diz.
Vamos começar pelo título! Observem que o crime de injúria racial é omitido. A diretora foi condenada porque usou o termo “macaca” pura e simplesmente. Não há a preocupação em informar por qual crime a dita senhora foi condenada.
Perderam a chance, inclusive de esclarecer qual a diferença entre crime de injúria racial e racismo. Como a gente pretende fazer diferente, peguei um link bacanudo que explica direitinho o trem pra gente não permanecer na ignorância! Eu, por exemplo, não sabia que tinha diferença, pra mim era só racismo e ponto. Clica nesta gracinha "O que é realmente segundo a lei Injúria Racial X Racismo".
Ai, o que temos em seguida? A declaração pompilha pomposa do advogado da acusada – atenção, só da acusada – que tem a oportunidade de apresentar mais uma vez a defesa da criminosa – sim, porque ela foi considerada culpada. Além de dar voz somente à acusada, deixando a vítima negra e mulher de fora, pra melhorar a palhaçada, o advogado minimiza a questão dizendo que a palavra “macaca” por si só NÃO poderia caracterizar o crime.
Mas vai ficar melhor, ou pior, vocês decidem. Vamos às notas da senhora Mônica Bergamo.
A diretora de uma escola pública de SP foi condenada a um ano de prisão -convertido no pagamento de um salário mínimo- por ter chamado uma professora negra de "macaca". Francisca Teixeira disse, ao receber Neusa Marcondes em sua sala: "Entra aqui, macaca, venha assinar esse documento". A defesa da diretora alegou que ela se referia à "hiperatividade" da professora, que estaria pulando e fazendo brincadeiras com as colegas. A Justiça não aceitou o argumento.
ORIGEM DAS ESPÉCIES (acuma?)
O advogado da diretora, Alexandre Barduzzi Vieira, vai recorrer. "Ela foi infeliz de usar essa palavra, que por si só não pode ter carga suficiente para caracterizar um crime", diz. "Vamos chegar ao ponto de não poder usar mais nenhuma expressão. Não poderíamos ensinar a teoria de Darwin, que se refere ao homem como descendente do macaco."
Bom, preciso dizer que eles acabaram de “regaçar”? Nós estamos falando de um crime de injúria racial – aprendemos direitinho! O que deu na porra da cabeça da Mônica Bergamo ou de seus digníssimos colaboradores de colocar “Macaco na Jaula” e “Origem das espécies” nos títulos das notas, meu Senhor do Bonfim? Só pode ser tóxico, não tem outra explicação plausível pra isso. Fumaram crack e foram escrever!
Na primeira nota, há novamente a contextualização do caso, que não difere muito da chamada da Folha Online, a não ser pelo título criado sob efeito de drogas pesadas. "Macaco na jaula", dá pra comentar? Eu não consigo!
Mas na segunda nota, o que temos? Temos a pobre Teoria da Evolução das Espécies, de Darwin sendo utilizada para o quê? Para justificar injúria racial - nós já aprendemos!
Darwin deve ter dado piruetas no caixão. Isso é muito perigoso e sério! Durante muito tempo, uma séria de teorias fundamentadas em nome de uma pseudociência foram utilizadas para dizer que negros têm tendência ao crime, que são violentos, que são inferiores aos brancos!
Como é que se publica uma declaração destas sem a menor preocupação em explicar, esclarecer? Como é que se dá voz apenas ao acusado? Não é um princípio BÁSICO do jornalismo ouvir a porra das duas versões? Onde está a mulher, negra que sofreu a violência para dizer como se sentiu?
E podemos ir além. Podemos concluir que apesar de libertas, apesar da revolução sexual, do feminismo, a MULHER NEGRA continua literalmente sem voz.
Podemos concluir que além de injúria racial, a diretora foi sexista, porque talvez ela não tivesse falado “vem aqui, macaco” se o empregado fosse um homem negro.
Podemos dizer que houve abuso de poder, porque ela é a autoridade dentro da escola e, mais que isso, é quem determina as políticas de como o colégio deve agir em caso de racismo. Como será que esta diretora lidaria com uma questão racial entre os alunos? Que tipo de orientação seria dada?
Tudo isso não passou nem perto de ser abordado por qualquer uma das matérias. Podem argumentar que uma nota não teria espaço pra todas estas abordagens, mas não ouvir a vítima é imperdoável!
No curso que mencionei, trabalhamos com mais quatro grupos que pegaram textos parecidos e onde o indígena, a lésbica o negro, em nenhum momento é ouvido. Mas nós podemos fazer diferente. Hoje em dia, todos os veículos tomam cuidado para que crianças e adolescentes sejam reconhecidos em suas matérias. Usam o termo vulnerabilidade social, ao invés de estarem se drogando ou prostituindo. Foi fácil esta “educação”? Não, mas nós aprendemos. É importante que este cuidado passe a fazer parte de nossa rotina, enquanto jornalistas, afinal, está lá, em nosso código de ética, só pra refrescar a memória:
Art. 6º É dever do jornalista:
I - opor-se ao arbítrio, ao autoritarismo e à opressão, bem como defender os princípios
expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos;
II - divulgar os fatos e as informações de interesse público;
III - lutar pela liberdade de pensamento e de expressão;
XI - defender os direitos do cidadão, contribuindo para a promoção das garantias
individuais e coletivas, em especial as das crianças, adolescentes, mulheres, idosos,
negros e minorias;
XIV - combater a prática de perseguição ou discriminação por motivos sociais,
econômicos, políticos, religiosos, de gênero
4 comentários:
Muito bom, Lu! e obrigada por comnpartilhar conosco seus aprendizados. Nossa obrigação, ocmo jornalistas, é estar atentos ao uso e ao peso de cada palavra utilizada.
Sensacional este texto, abordagem séria e bem humorada. Indignar-se com o que está acontecendo é importantíssimo, e sim não existe voz para a mulher negra.
Adorei o post!! Quanto a nota... extremamente infeliz, quase um deboche de toda a situação!!
Olá! Gostei bastante, eu também não sabia a diferenca entre injuria racial e racismo, aprendi agora! :)
linkei esse post no meu blog, tudo bem? é que faleifaleifalei sobre o curso, mas nao dei nenhum exemplo das atividades práticas.....
beijo.
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