terça-feira, junho 14, 2011

Um solitário no cais

É alta madrugada na beira do cais. A neblina encobre os navios e o chão que piso. Deixo-me levar pelas risadas de velhas prostitutas e o tilintar dos copos de marinheiros e estivadores que, assim como eu, só desejam descansar o corpo para a labuta do dia seguinte.

Na entrada do bar, avisto Anita, a prostituta ruiva de cabelos curtos e coxas grossas. Uma das poucas meninas que não perdem o brilho com a chegada da madrugada. Ela sorri para mim. Eu acendo um cigarro, retribuo o comprimento e vou me sentar em um canto isolado. Anita não me acompanha. Ela me conhece há tempo suficiente para saber que esta noite pertence a mim e a meus pensamentos.

A garçonete me serve o bom e velho conhaque de todas as noites. A primeira dose desce queimando num piscar de olhos. A segunda já bate forte o suficiente para me remeter ao mesmo bar, porém anos atrás. Naquela época, eu era apenas um menino que acompanhava o pai no retorno a casa, depois das vendas no mercado de peixe.

Ele parava naquele mesmo boteco e era servido pelo pai da garçonete: cerveja e algumas sardinhas pescadas por ele mesmo.

O ambiente já me encantava. As diferentes bebidas, as canções de Odair José na vitrola, a fumaça, os trabalhadores dos cais, os diferentes sotaques. Eu sabia que não cresceria longe dali. Que tudo aquilo sempre correria forte em minhas veias.

Foi bem perto daquele mesmo lugar, que conheci a mulher que mudaria para sempre a minha relação com as demais. Depois dela, as outras sempre me pareceram somente comuns. Eu tinha 17, ela tinha 15 anos. Garota de praia, filha de boas vidas, meu primeiro beijo, meu único amor.

Na frente deste bar ela se despediu de mim para desaparecer naquela mesma neblina. Era ainda ali, obedecendo minha sina, que todos os dias eu retornava para sonhar com
ela.

* Texto livremente inspirado na música "Outro Cigarro" de Renato Godá.

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