quinta-feira, dezembro 14, 2006

Inocência" e as mesas de bar por Contardo Calligaris


Ler Contardo Calligaris é sempre um praze. Por quê? Porque ele consegue filosofar em cima de coisas chatas como, na maior parte do tempo são, as críticas de cinema, teatro etc.

O texto desta semana foi especial porque me fez lembrar de várias conversas de bar, dos motivos que fazem as pessoas gostarem tanto de um boteco, falar o que geralmente não falam, rir, chorar, entregar-se, sentir e por que não dizer, viver? Fez com que eu lembrasse da conversa com uma amiga sobre Teoria do Colapso, sobre dar importância às coisas boas que acontecem porque um dia todo mundo estará lascado e serão estas coisas que estarão lá para nos mostrar o quanto vale a pena estar vivo.

Um bocadinho de "Inocênccia" e as mesas de bar pra modo de que o dia de vocês também possa ficar mais bonito, mais iluminado!

"O texto de Dea Loher é uma meditação (teatral e engraçada: nada de longos discursos) sobre a idéia, própria aos nossos dias, de que a vida não faz sentido. Misteriosamente, a montagem dos Satyros opera um pequeno milagre: ela revela, no pouco sentido do mundo, mil razões para amar a vida. Nisso, ilustra uma moral que aprecio muito: talvez não consigamos mais sonhar com a vida como deveria ser, mas podemos abraçar a vida como ela é.
Na saída do teatro, é de praxe parar numa mesa de bar naquele trecho da praça Roosevelt (escolha entre o espaço dos Satyros, o dos Parlapatões e o bar-antiquário Papo, Pinga e Petisco). A animação da rua responde à inquietude levantada pela peça: talvez a vida não faça sentido, mas nos resta viver. No mínimo, resta-nos a mesa do bar.
Sei que é pouco: a quem se sente abandonado pelas grandes causas comuns, a mesa do bar e sua conversa parecem pálidos reflexos da sociedade desejada. Mas, filosofando: se, por falta de transcendências, devemos encontrar sentido na imanência, é melhor se acostumar a dar relevância às coisas pequenas de cada dia.
Na mesa do bar, a gente dá "uma relaxada": encontra, na facilidade do convívio (ou do "convício", entre cigarros e cervejas), um amparo contra as frestas e falhas mais dolorosas. Considere seus companheiros de mesa: todos parecem espirituosos e bem-humorados.
Mas há um que, uma vez de volta em casa, perseguirá, solitário, na internet, fantasias sexuais que ele nunca se permite viver; há o casal que se deitará sem se abraçar; há outro que não quer ir embora porque a perspectiva da solidão o desespera; há outra que consegue ironizar uma perda cuja lembrança, quando ela estiver sozinha, de novo a arrasará. E por aí vai." Contardo Calligaris

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